sábado, 17 de março de 2012

Ditinho

Até hoje, de repente e sem qualquer aviso, eu me pego pensando nele. E fico absorto e distraído, como hoje pela manhã durante a sessão de musculação quando a voz do professor me arrancou do devaneio e me trouxe de volta à realidade.

Eu e o Ditinho nascemos no mesmo ano, no mesmo mês, ambos numa terça-feira, ele 7 dias antes de mim. Éramos primos e morávamos na mesma rua, íamos juntos para a escola, subíamos em árvores, soltávamos papagaio, corríamos descalços, roubávamos manga do pomar da tia Taninha, nadávamos no laguinho, fumávamos escondidos atrás do muro.

No começo da adolescência minha família se mudou para Belo Horizonte. Crescemos rápido demais. Nos afastamos. Quando eu visitava Ouro Fino minha tia sempre me ligava: "Passa lá em casa para ver o Ditinho - ele adora conversar com você. Ele vive enfurnado naquele porão". A gente tomava um café, fumava um cigarro, conversava um pouco, ria das lembranças do passado. Ele tinha gestos contidos, olhar baixo, voz grave e falar suave.

O Ditinho havia montado um atelier no porão e continuava pintando -  desde pequeno ele tinha um dom extraordinário para o desenho e a pintura. Também fazia móveis artesanais lindíssimos. Passava o dia todo ali trabalhando, só ele e seus pensamentos. Eu soube depois que ele tomava remédios contra a depressão, mas ele nunca falou disto comigo.

E eu ainda me lembro como se fosse hoje, quando a minha mãe me ligou numa terça-feira de manhã há cerca de cinco anos. "Acabaram de ligar de Ouro Fino. O Ditinho morreu. Ele se matou". Até hoje, de repente e sem qualquer aviso, eu me pego pensando nele.

6 comentários:

M. disse...

Fico pensando como serão seus pensamentos Luciano? Doces pela infância, alegres pela adolescência ou tristes e interrogativos do porque ele fez o que fez. No fim, penso que devem ser uma mistura de tudo isso, como aconteceria e muitas vezes acontece com todos nós. Abraços

Lucas disse...

Como é comum o suicídio. Tenho só 24 anos e conheci pessoalmente pelo menos 4 pessoas que se mataram. Eu mesmo já cogitei muito essa possibilidade e "luto" contra a depressão desde a adolescência. Hoje em dia estou bem, mas às vezes me pego pensando: até quando?

Dinhö Marques disse...

Sempre leio, nunca comento. Mas hoje tive que dizer que me fez chorar.

Um beijo pra você um "dencanse", sincero, pra ele.

railer disse...

manter a lembrança é uma forma de manter a pessoa viva.

Unknown disse...

Lindas palavras, lindas. Me emocionaram muito!

CriCo disse...

Pessoas suicidas são comuns em minha vida também. Juro que não entendo. Já tive quadro de depressão mas não tive vontade de dar cabo da minha vida. O Plano Espiritual em que acredito não me permite isso.